14 de Novembro de 2012

"You're with me always, my shark kings."
THE SHARK KING
R. Kikuo Johnson
Toon Books, 2012
40 págs., tetracromia

R. Kikuo Johnson foi galardoado em 2006 com o prémio Russ Manning Most Promising Newcomer Award (incluído na infame cerimónia dos Eisner Awards) pela sua bd, Night Fisher.
Dois anos depois, Françoise Mouly, editora nos anos 80 da Raw (a mítica revista de bd) e, actualmente, do New Yorker, criou a Toons Books com o intuito de publicar bd de qualidade para um público algo negligenciado:  crianças.
O resultado da colaboração dos dois é o recontar de uma lenda havaiana - The Shark King - a história de Nanaue, o filho do deus-tubarão Kamohoalii e da sua esposa humana Kalei.
Só se pode elogiar o aspecto visual deste livro que, numa altura em que cada livro tem de ter uma identidade própria e um estatuto de objecto de culto (versus objecto de cultura?), se nota fazer parte de uma colecção. O padrão do menino com corpo de livro e cabeça de filactera (balão das falas na banda desenhada) estende-se da lombada até à capa e contracapa e deve ficar muito bonito junto aos seus colegas de colecção numa estante. O interior não fica atrás, com um traço que faz lembrar Alex Toth ou David Mazzucchelli ( na sua versão anterior a Asterios Polyp) e muito próximo (quase encostado) da ligne claire europeia. Um estilo colorido e fácil de seguir e entender, apropriado para a faixa etária a que se dirige.
Em relação à história, não há muito a dizer, é relativamente linear, sem grandes surpresas. A principal crítica prende-se à personagem Kalei. Numa sociedade que se auto-proclama cada vez mais igualitária no que toca a géneros, a representação do género feminino neste livro não é muito favorável. A mãe de Nanaue é um exemplo de  passividade. As situações flagrantes são o seu abandono por parte do marido e do filho, e o livro termina com uma aceitação serena desse abandono. Se quisermos justificar dizendo que se trata de uma reinterpretação fiel da lenda, então que dizer da omissão do canibalismo de Nanaue? Não é o melhor exemplo a dar às meninas...
Esquecendo isso é um livro bonito para crianças. Aliás, é bd bonita para crianças. Com o aceitar crescente da bd para graúdos, os miúdos andam a ser um pouco negligenciados ou, pelo menos, este tipo de banda desenhada não é tão publicitado. O que é preciso não esquecer é que a maioria dos actuais leitores de bd começou a ler em criança...



6 de Novembro de 2012

Uma capa, dois autores.
SOBREVIDA
Carlos Pinheiro & Nuno Sousa
Imprensa Canalha, 2012
56 págs., tetracromia


Sobrevida é a a obra conjunta de dois autores: Carlos Pinheiro e Nuno Sousa. Se o título a principio não parece fazer muito sentido, é na contracapa que a sua definição é mais aprofundada como "a qualidade de quem não vive" ou a "sensação de vida", que se encontram de forma mais ou menos evidente nas duas histórias que constituem o livro.
A primeira história, "A Noite" de Carlos Pinheiro, é a preto e branco, provavelmente desenhada por uma esferográfica e usa frases simples para descrever a acção e alguns pensamentos das personagens que funcionam como uma entidade colectiva. Após um jantar, um grupo de indivíduos começa um jogo de mortes fingidas que, após se fantasiarem, leva as personagens a percorrerem uma cidade vazia de pessoas, livres do reconhecimento de outros,  que lhes permite ter liberdade de fazer e ser o que lhes aprouver, até à chegada de um novo dia quando se rendem à inevitável vida quotidiana. "O Dia" de Nuno Sousa tem um ambiente menos metafórico, parece ser autobiográfico, pintado com lápis de cor e o recurso ao texto, por vezes com função de comentário social, é sempre monólogo interior da personagem principal (o autor?) mesmo quando este fala com o seu pai.
Embora visualmente díspares, cada uma com o seu virtuosismo técnico (ambos os autores são licenciados da FBAUP), há um intimismo e melancolia cúmplice que aproxima as duas narrativas criando uma sensação de coesão estrutural da obra. Como síntese desta afirmação temos a capa do livro: uma cena da história de Pinheiro é complementada muito naturalmente pelas cores de Sousa.
Mais um nomeado para os Prémios FIBDA 2012 (categorias de Melhor Álbum e Melhor Desenho), este mais satisfatório.