8 de Novembro de 2013

Em 2013 foi a vez de Marco Mendes e Bo Soremsky.
COMIC-TRANSFER
Till Laßman e Ricardo Cabral
Edições Polvo, 2013
168 págs., tetracromia

18,87 euros (sem IVA)


Este fim de semana, dia 10 de novembro, às 15 horas, será lançado no 24º FIBDA o álbum Comic-Transfer, por Till Laßman e Ricardo Cabral e editado pelas Edições Polvo. "Resulta de um intercâmbio artístico luso-alemão, sob a égide do Goethe-Institut Portugal. Teve o seu início com o artista português Ricardo Cabral, que visitou a Alemanha durante duas semanas, em meados de Julho de 2012, passando primeiro por Hamburgo e depois por Berlim, com uma curta passagem pelo Festival de Desenho de Stralsund. Seguiu-se a visita do parceiro de intercâmbio Till Laßmann a Portugal, em Outubro de 2012. Till Laßmann começou a sua viagem no Porto, seguindo depois para Lisboa. Nas páginas deste livro estão reunidas as suas visões, que reflectem a forma como vemos os outros e como os outros nos vêem a nós, as experiências e impressões das cidades visitadas, através do dia-a-dia dos habitantes, dos locais mais apetecíveis, das mulheres nas idas às compras, das vistas panorâmicas dos telhados, das pessoas nos cafés ou simplesmente a passear ao longo do rio..."
Durante este fim de semana Ricardo Cabral estará a dar autógrafos entre as 17 e 19 horas no sítio do costume. 
Há ainda a oportunidade de visitar a exposição "Comic-Transfer - A Minha Cidade Vista Pelos Teus Olhos" onde estão expostos originais do livro e da mesma iniciativa em 2013 cujos participantes foram Marco Mendes e Bo Soremsky. Pode ser que haja livro para o ano e assim aguçam-se apetites.
 É aproveitar que a partir de segunda-feira já não há FIBDA!

13 de Outubro de 2013

"Watta woil, watta woil."
KRAZY KAT
THE COMIC ART OF GEORGE HERRIMAN
McDonnell, O'Connell & De Havenon
Harry N. Abrams, 2004
224 págs., tetracromia

A 13 de Outubro de 1913 estreia-se Krazy Kat no New York Evening Journal. As personagens principais, um(a) gato(a) e um rato tinham a sua origem na strip anterior do autor, George Herriman, "The Dingbat Family", sobre a vida doméstica de uma família e a sua contenda continuada com os vizinhos do andar de cima (mais tarde a strip veio a ser conhecida como "The Family Upstairs"). Aos poucos, a disputa entre o(a) gato(a) dos Dingbat - apelidado(a) Krazy Kat pelo rato - e o seu rival ganhou autonomia dentro da strip e acabou por ter um espaço autónomo a acompanhar as aventuras dos Dingbat. A progressiva emancipação completou-se exactamente há um século.
A história contada em "Krazy Kat" rapidamente sedimentou-se. Resumindo, Krazy está apaixonado(a) pelo rato Ignatz que não o(a) suporta e para demonstrar o sentimento que nutre pelo(a) gato(a), sempre que pode, arremessa-lhe um tijolo à cabeça, acção que Krazy interpreta como demonstração de amor, Offissa Pupp, último vértice do triângulo amoroso, prende Ignatz para proteger Krazy, de quem gosta.
Durante 31 anos temos, praticamente sempre, uma variação deste cenário. A genialidade de Herriman é nunca se repetir apesar da fórmula e ter introduzido idiossincrasias que fazem de "Krazy Kat" uma obra única: o discurso de Krazy, mistura fonética de dialectos e línguas; os cenários inspirados pelo deserto do Arizona, em constante mudança, transfiguram-se de vinheta para vinheta, à volta das personagens e edifícios.
Herriman é ele próprio uma figura interessante, principalmente devido às suas origens confusas, que o identificam como "mulato" no registo de nascimento, sendo mais tarde declarado "caucasiano" no seu certificado de óbito. De vez em quando surgem estas questões de etnia numa ou outra história de Krazy Kat que ganham logo outra profundidade tendo em conta a ambiguidade étnica do autor. Sem falar do género de Krazy que, propositadamente, nunca chega ser estipulado de forma inequívoca.
"Krazy Kat" é um dos grandes clássicos dos comics americanos e a sua influência estende-se até aos nosso dias, repercutindo-se em autores como Chris Ware (autor da série "Acme Novelty Library" e designer da recente colecção da Fantagraphics - "Krazy & Ignatz" - que colige a obra completa de Herriman) ou Patrick McDonnell, autor da série "Mutts", denunciadamente inspirada por "Krazy Kat", e co-autor do livro que devia ser o tema deste post.
Agora é só poupar os 300 euros para poder ter a edição especial (capa dura, páginas maiores) em 3 volumes publicada pela Fantagraphics!

10 de Outubro de 2013

"I am not my brother."
THE MANHATTAN PROJECTS VOL.1
Jonathan Hickman Nick Pitarra
Image Comics, 2012
144 págs., tetracromia

Hiroshima e Nagasaki são a memória mais marcante do Projecto Manhattan responsável pelo desenvolvimento de armas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial. O facto das bombas terem sido lançadas numa altura em que a guerra estava praticamente ganha, aparentemente como demonstração de força e/ou forma de dissuasão de confrontos futuros, diz muito do estado de espírito vivido na altura e é francamente aterrador. A frase que está associada a Oppenheimer, um dos principais contribuidores para o projecto, citada do Bhagavad Gita, possui uma potência que ecoará na eternidade.
Como foi possível o conjunto das mentes mais brilhantes do lado dos Aliados ser capaz de tal destruição e causar tanto sofrimento?
A resposta reside no título desta bd escrita por Jonathan Hickman, "The Manhattan Projects", cuja pluralidade sugere o resto do icebergue escondido.
Sob a tutela do exército americano, um grupo que inclui Oppenheimer, Einstein e Feynman, entre outros, pode desenvolver projectos que ajudarão a manter os Estados Unidos com principal potência mundial. Ao contrário da imagem de virtuosidade registada nos livros de História, estes cientistas são, no sentido tradicional, malucos e raramente bem-intencionados. Aos poucos as suas agendas revelam-se e não auguram nada de bom.
"The Manhattan Projects" é uma bd de ficção científica e aventura que sobressai pelas suas personagens pouco simpáticas mas interessantes, cada uma com voz própria. Há muitos segredos e revelações que levam o leitor a querer saber mais sobre este universo rapidamente em expansão.
A arte de Nick Pitarra faz lembrar Chris Burnham ou Frank Quitely mas mais "bruta" e está complementada de uma forma excepcional pelas cores de Jordie Bellaire que contribui imenso para o ambiente e storytelling, algo raro na bd actual. Aliás, julgo que a impressão da colecção vem até a reforçar o trabalho de Bellaire, tenho a ideia que os números individuais não estão tão bons em termos de cor.
Portanto, mais uma boa aposta da Image Comics que está aos poucos a ganhar um terreno muito importante na publicação de material cujos direitos são exclusivos dos autores.

Um agradecimento, mais uma vez, a André Nóbrega pelo empréstimo do TPB.

9 de Outubro de 2013

DUAS LUAS
André Diniz & Pablo Mayer
Edições Polvo, Outubro 2013
136 págs., P&B
12,90 euros (sem IVA)

Ao poucos descobre-se o que se vai passar no 24º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Um dos lançamentos anunciados é do livro "Duas Luas" de André Diniz e Pablo Mayer, feito exclusivamente para a publicação pelas Edições Polvo.
André Diniz vai estar presente no evento nos dias 2 e 3 de Novembro por ocasião da exposição "Seis esquinas de inquietação", onde, juntamente com as obras de outros 5 autores brasileiros, se incluem algumas páginas deste novo livro e também do seu livro anterior "Morro da Favela" (também publicado em Portugal, este ano, pela Polvo).
De seguida a nota de imprensa.

"O LIVRO
Nilo, proprietário do Bar do Lourenço (de onde virá o nome?), está interessado em vendê-lo para se poder dedicar mais à sua amada Natali e à filha que está para nascer, fruto do amor de ambos. Mas as coisas não são assim tão lineares e enquanto a venda não se concretiza Nilo terá de enfrentar e resolver uma série de questões, tentando manter sempre a sua integridade imaculada. Bandidos, estranhos sonhos, insónias, mortes, clientes metediços e uma velha prostituta (iniciada na profissão pelo pai de Nilo), são alguns dos ingredientes desta intrigante história saída directamente da imaginação do prolífico André Diniz e habilmente desenhada pelo virtuoso Pablo Mayer.

OS AUTORES
ANDRÉ DINIZ é argumentista e desenhador de Banda Desenhada e autor e ilustrador de livros infanto-juvenis. No Brasil, já ganhou mais de uma dezena de prémios, entre eles o de melhor roteirista, melhor graphic novel, melhor edição de quadrinhos, melhor site de quadrinhos, entre outros. Em 2012 venceu o conceituado prémio HQ MIX, como melhor roteirista nacional, através de “Morro da Favela”, editado em
Portugal pela Polvo, em 2013. Vive em S. Paulo, Brasil. PABLO MAYER, ítalo-brasileiro, é ilustrador e desenhador de Banda Desenhada. Colabora há mais de meia dúzia de anos com ilustrações para jornais, revistas e livros infantis de grande circulação na imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Editora Abril, Globo...). Faz também ilustrações para videojogos e publicidade. Publicou a tira Brabos Comics, no jornal ANotícia. Foi um dos autores brasileiros convidados para a versão editada em Portugal de “Morro da Favela”. Hoje, vive com a sua esposa Carolina em Dublin, na Irlanda."

7 de Outubro de 2013

"Each one of these comics has a story"
INKSHOT
Hector Lima, Pablo Casado et al.
Monkeybrain Comics, 2013
268 págs., P&B

A 18 de setembro de 2013 estreou-se, exclusivamente em formato digital, na plataforma online de venda de banda desenhada Comixology, a antologia "Inkshot". Publicada pela Monkeybrain Comics, a antologia reúne 45 histórias curtas, de três a cinco páginas, feitas por 75 “novos” autores que têm a particularidade de terem todos como língua materna a portuguesa. Puxada a brasa, desengane-se o leitor, a antologia é exclusivamente brasileira.
Quando em 2008 Hector Lima se associou a Pablo Casado partilhavam uma ideia: organizar uma antologia de banda desenhada para divulgar autores brasileiros em terras do Tio Sam. Mais, planeavam que esse conjunto de histórias fosse representativo de uma “identidade brasileira”. Seria possível, no meio de tanta diversidade de influências, géneros e estilos, estabelecer uma visão representativa da “bd Brasil”?
“Inkshot” é a tentativa de resposta à pergunta e a melhor possível. Do western (“Black Durango”) à comédia (“Cosmogonia”) ao terror (“Canibal Lunchbox”); do cartoon (“Hapiness2”) ao fotorrealismo (“Lapse”) ao manga (“Running in the Shadows”), temos de tudo um pouco no livro. Há um grande número de autores talentosos que preenchem as páginas do livro e de uma consistência pouco comum em iniciativas do género. Com um espectro tão largo de abordagens, a escolha inteligente pelo preto e branco trouxe uma coesão à obra que seria difícil de outra forma.
O principal problema do livro é relativo à tradução dos textos originais em português para o inglês. A maioria das histórias têm traduções competentes mas há umas cujo inglês é praticamente incompreensível. Se para mim, que não tenho o inglês como primeira língua, esses textos foram de um desconforto extremo (“My life was special” é um dos exemplos que me custou especialmente - ver a segunda vinheta, página 245), nem imagino a reacção dos nativos. As más traduções prejudicaram o que foi contado e relegaram ao esquecimento narrativas imaginativas que mereciam mais. Investir num tradutor profissional para a obra completa teria sido uma boa ideia.
Resumindo, “Inkshot” é uma antologia bem conseguida que apresenta catadupas de talento com algumas falhas que podem dificultar a sua recepção pelo público habituado a ler em inglês.
Pode ser que deste lado do Atlântico também seja possível fazer algo semelhante.

Originalmente publicado aqui.

29 de Setembro de 2013

"Bolas, mulher, nunca mais te calas?"
PONTAS SOLTAS - CIDADES
Ricardo Cabral
Edições Asa, 2011
96 págs., tetracromia

Quando "Evereste" - baseado na experiência real do alpinista português João Garcia - saiu em 2007, tinha na sua capa fria e opressiva dois homens a escalar, a um custo muito real e conhecido, uma montanha gelada.
A capa de "Pontas Soltas" situa-se numa posição quase diametralmente oposta à de "Evereste". Um design limpo e colorido coloca-nos numa perspectiva extrema a sobrevoar uma cidade. No meio da imensa estrutura citadina, pequenos vislumbres de elefantes cor-de-rosa, robôs disfarçados de prédios e borboletas inteligentes bidimensionais. Como em "Evereste", somos preparados para o interior do livro.
Uma colecção de histórias curtas que "se unem de forma natural sobre o tema Cidades", "Pontas Soltas" é parte autobiográfico, parte fantástico e parte diário de viagem.
O ponto alto do álbum é "Da cidade...", um passeio pela cidade de Portimão cujo fio condutor é uma conversa continuada pelas várias pessoas que encontramos pelo caminho. Nestas dez páginas, o autor revela uma sensibilidade para o diálogo, plausível e humano, sem a qual esta sequência não seria tão eficaz.
Para além do diálogo, o elemento mais característico da obra é o seu estilo gráfico fotorrealista. Ricardo Cabral é um ilustrador mais que competente (talentoso), domina facilmente os vários elementos do desenho propriamente dito (perspectiva, anatomia, luz, forma, etc.) mas é a sua dependência (admitida no próprio texto) do registo fotográfico que o limita. Pessoalmente prefiro traços mais "livres" e a escolha das cores dá uma aparência artificial mesmo ao desenho de observação "ao vivo".
À parte da minha preferência estilística, gostaria de ver Cabral investir em narrativas menos sediadas na autobiografia (mesmo que com alguns laivos fantasiosos). Não sei se há receio da entrega plena à ficção mas a verdade é que neste álbum a única história ("Lágrimas de Elefante") do género é em colaboração. Agora que se fala em novo projecto e após reconhecimento nacional e além-mar, será interessante ver em que veredas caminhará Ricardo Cabral.

Originalmente publicado aqui.

28 de Setembro de 2013

"You don't live nowhere at all, mate."
THE NEW DEADWARDIANS
Dan Abnett & I.N.J. Culbard
Vertigo Comics, 2012
152 págs., tetracromia

1910. Há 50 anos que a humanidade convive com monstros. Num mundo atingido por uma pandemia que transforma humanos em zombies, os influentes sujeitam-se a uma cura tão monstruosa como a doença. 
Em “The New Deadwardians”, o Inspector-Chefe George Suttle vê-se a braços com a investigação do homicídio de um proeminente cuja causa de morte não se encontra entre as tradicionais da sua espécie, pois a cura a que se submeteram os ricos não é mais que o vampirismo e para essa condição conhecem-se bem as "soluções". 
O que poderia ser o habitual embate hollywoodesco "vampiros versus zombies" é evitado de forma elegante. A ameaça iminente dos mortos-vivos é pano de fundo, a verdadeira história é a de Suttle, um homem que lida com a perda da sua humanidade.
Ao longo da investigação somos apresentados a uma sociedade dividida por mais questões que as financeiras. De um lado, na Zona-B, os trabalhadores de colarinho azul, que se manifestam para obter melhores condições de vida; do outro, na Zona-A, a classe alta, à qual pertencem o protagonista e a vítima, cada vez mais distantes do que é ser humano, praticamente imortais, com a sua segurança garantida pela sua fisiologia alterada que também lhes traz "tendências" que podem ser controladas medicamente. 
É precisamente devido a estas tendências da vítima que Suttle tem a oportunidade de contactar com a "verdadeira humanidade" e se vê aos poucos capaz de a reconquistar em si. Entretanto, um enredo de policial de voltas e reviravoltas que envolve sociedades secretas, conspirações e magia.
Abnett desde o início da trama que adopta uma visão maioritariamente científica para a pandemia, a cura e a morte do vampiro. Essa visão perde vigor nas etapas finais da narrativa tendo que se recorrer a uma explicação mágica da morte que desilude e faz menos coesa a obra. As diferentes sugestões de resolução ao longo da história (a sociedade secreta, a substituição do pai pelo filho) acabam por ser mais interessantes que o final que obtemos - uma não tão típica história de vingança. O fim indicia continuidade e embora Abnett não tenha "tido pernas" para concluir de forma satisfatória, o miolo é cativante e faz querer conhecer mais este mundo.

14 de Setembro de 2013

"Don't trust the map."
JIM HENSON'S TALE OF SAND
Ramón Pérez
Archaia Entertainment, 2011
120 págs., tetracromia

Originalmente planeada para ser uma longa metragem, "Tale of Sand" acaba, quarenta e cinco anos após ter sido arquivada pelos seus criadores Jim Henson e Jerry Juhl, por ser adaptada ao formato graphic novel. Henson é conhecido pela criação dos Muppets (entre outros) e pelas suas colaborações com pessoas igualmente talentosas, se não tão conhecidas, como é o caso de Juhl.
"Tale of Sand" é uma alegoria. No meio do deserto, uma pequena cidade festeja efusivamente. Há música, bebidas e até palhaços. O nosso protagonista, Mac, encontra-se pelo meio das celebrações, parece ser de fora da cidade e estar confuso e desconfortável. Rapidamente é carregado em ombros até ao gabinete do xerife e é este que o irá instruir sobre o que tem a fazer. É-lhe dada uma mochila, um mapa, a chave da cidade e dez minutos de avanço. Só tem que chegar a determinado local para estar "salvo".
A seguir começa a corrida desenfreada, uma perseguição, muitas vezes explosiva, repleta de encontros caricatos com personagens que nem contextualizadas fariam sentido. Trata-se, afinal, de uma "comédia-drama surrealista".
Ramon Pérez aparece quase do nada para ilustrar esta multipremiada bd e é a sua arte que consegue fazer funcionar a narrativa ténue. Num guião com poucas palavras e pouca caracterização de personagens, maior ainda é a importância das expressões faciais e da linguagem corporal. Pérez explora diferentes técnicas de forma a representar da melhor forma as diferentes mudanças de ambiente e de atitude das personagens. É um livro bonito.
Quanto à alegoria, podemos dizer que "Tale of Sand" é sobre a vida. Um tema tão vasto só se pode abordar com algum humor e ridículo. Empurrado para o desconhecido com noções vagas do que se vai encontrar e descobrir que as coisas são mais esquisitas do que pensávamos; reconhecer que somos o principal obstáculo no nosso caminho e acabar mais ou menos como começámos. Soa mais ao menos ao que é a vida, só que esta é ainda mais surreal que o conteúdo deste livro.

Queria ainda agradecer a André Nóbrega pelo empréstimo do livro e, como bónus, podem ler a sua análise de "Tale of Sand" aqui.
 

7 de Setembro de 2013

"Hecho en CHINA. Pensado en EUROPA."
FAGOCITOSIS
Marcos Prior & Danide
Ediciones Glénat, 2011
120 págs., tetracromia

A fagocitose é o processo pelo qual determinadas células conseguem capturar e digerir partículas sólidas. No ser humano tem um papel na defesa do corpo contra microorganismos patológicos. As células capazes deste mecanismo envolvem, por exemplo, uma bactéria e depois, através da acção de um sistema "digestivo" primitivo, destroem-na. É, de certa forma, o equivalente a nível celular do acto de "devorar".
Comecemos pela capa. Na capa estão representados dois indivíduos de mão erguida, o seu gesto sugere que fazem parte de algum movimento, revolucionário ou não, as suas roupas indicam que têm posses, pertencem provavelmente à classe média-alta, a pender para a alta, acompanha-os um cão de raça caniche, que está associado a riqueza, e sorriem, o que sugere que estão do lado vencedor da revolução ou que, pelo menos, estão a ser beneficiados por ela. Por cima deles o logótipo  do livro espelha o símbolo da Mastercard®. Desta feita, os círculos não são do mesmo tamanho, as cores estão invertidas (o amarelo à esquerda e o vermelho à direita) e, mais tarde no livro, quando chegamos ao fim, primeiro na secção de design do logótipo, depois, finalmente, na contracapa, apercebemo-nos que o círculo maior está a ganhar terreno ao mais pequeno e que, com a proximidade, o segundo perde as suas qualidades (forma, cor) e que os limites desapareceriam por completo se a acção continuasse. O que se esperaria seria a obliteração total do círculo mais pequeno que seria "devorado" pelo maior. Como na fagocitose e como é descrita nestas etapas finais do livro, trata-se de uma "interacción celular entre desiguales".
"Fagocitosis" é um livro que aborda temas muito actuais: o capitalismo agressivo; o funcionamento do mercado financeiro; as políticas do prémio Nobel (dissecadas por Carl Sagan); técnicas de marketing metafísicas; as exigências cada vez mais absurdas para se conseguir um emprego; etc.
A forma como o faz é muito interessante, Marcos Prior opta por diferentes apresentações, desde uma página do YouTube, passando pelo percorrer de uma cidade num formato street view do Google Maps, até à estrutura mais típica de um policial, entre outros. Sempre com uma dose de humor e ironia e, de certa forma, algum desespero.
É sem dúvida o aspecto visual que mais chama a atenção nesta obra, a arte versátil de Danide consegue, sem aparente esforço, manobrar entre estilos gráficos, do mais realista a um traço simples reminiscente de Vázquez.
Uma temática algo pesada com uma aparência deslumbrante fazem desta a bd dos tempos modernos, é tudo muito bonito mas "há algo de podre no reino da Dinamarca". E seria verdade se a Dinamarca não fosse um país escandinavo mas sim um país do sul da Europa. Que não é.

29 de Agosto de 2013

AR PURO E ÁGUA FRESCA
Pero
Edições Polvo, 2013
128 págs., P&B
11,90 euros (com IVA)

Mais uma edição da Polvo. Pois bem, eis o que figura na nota de imprensa:

"O LIVRO
Filho de caçador, Joshua vê-se brutalmente órfão após o ataque à casa familiar por um grupo de índios. Terá então de aprender a sobreviver sozinho e a tornar-se adulto no ambiente vasto e rude das Montanhas Rochosas de meados do século XIX.
Nesta história, o autor coloca o seu traço elegante ao serviço de uma fábula inteiramente muda que conta a natureza selvagem dos grandes espaços e a natureza não menos frustrada dos homens.
Este é um western iniciático, trágico, com toques de humor, um romance que alia uma radicalidade gráfica e de argumento, que se mantém de uma extraordinária fluidez de fio a pavio, pois Pero escolheu o silêncio para deixar exprimir a força das ilustrações."

"O AUTOR
Originário de Grenoble, França, Pero, pseudónimo de Olivier Peret, começou por estudar Desporto antes de ingressar na Academia de Belas-Artes de Tournai. Acabados os estudos, dedicou-se de corpo e alma à criação e animação da revista “Cheval de Quatre”. Vive em Lille.
Com “Ar puro e água fresca”, a sua primeira obra enquanto autor completo, Pero aceita o desafio de uma história muda, onde revela um belo domínio gráfico e narrativo."

7 de Agosto de 2013

"They all blended to expose the entrance to RIPPLE."
RIPPLE
A PREDILECTION FOR TINA
Dave Cooper
Fantagraphics Books, 2003
120 págs., P&B

Originalmente contada nas revistas Weasel 1 a 5, publicadas pela Fantagraphics entre 1999 e 2002, Ripple é a história de um ilustrador de contos infantis que consegue obter uma bolsa para realizar uma exposição de conteúdo erótico. Frustradas as suas tentativas de contratar modelos "normais" recorre a mulheres menos "típicas". É assim que conhece Tina, uma adolescente problemática com excesso de peso e "...feia" que inicia uma relação com a personagem principal. O livro explora esta relação, a sua dinâmica de poder e a forma como esta evolui e se inverte.
Ripple refere-se ao conceito do protagonista sobre o movimento da pele em câmara lenta, é também o nome que dá ao momento único onde ele e Tina puderam explorar, sem tabus, os limites da interacção sexual, afastados da realidade normativa.
Dave Cooper já não faz bd regular há algum tempo, optou por explorar outros terrenos artísticos. Os Weasel mais recentes são de maior base ilustrativa que de bd, o que faz algum sentido já que Cooper é um exímio ilustrador, o seu traço é dinâmico e enérgico e desconfortável, fazendo-me lembrar uma animação de Bill Plimpton que só existe na cabeça do leitor. E este é só um dos estilos de Cooper que tem mais à sua disposição!
Relativamente à narrativa, fora os momentos de erotismo e de conteúdo sexual, não há grande "excitação", as personagens parecem-me subdesenvolvidas e não há grande moral a tirar embora esse pareça ser o objectivo do autor. O que é fica é a vontade de ler a(s) outra(s) face(s) (ainda mais bizarras) do trabalho de Cooper.

4 de Agosto de 2013

"Variety is the spice of life."
THE MAN WHO LOVED BREASTS
Robert Goodin
Top Shelf Productions, 2008
32 págs., P&B

Não se deixem enganar pelo título que podia ser da biografia da grande maioria dos indivíduos do género masculino, Robert Goodin tem outros planos para além de explorar uma das inúmeras obsessões do homem sexualmente activo.
Cada uma das histórias desta bd é sobre um indivíduo desajustado que lida com a sua desadequação de formas mais ou menos funcionais, nem sempre felizes mas sempre hilariantes.
Na história titular, “The Man Who Loved Breasts”, o protagonista vê-se a braços com a rotina do trabalho, o desânimo e oportunidades profissionais perdidas que o motivam a procurar fazer o que realmente ama mas que, inevitavelmente, não consegue lutar contra a mudança de paradigmas numa sociedade em constante mudança. Mesmo assim com final feliz.
Segue-se “George Olavatia: Amputee Fetishist”, uma história que se passa ao balcão de doação de uma clínica de fertilidade (com direito a referência a Aldous Huxley) com um doador diferente nas suas preferências sexuais e um empregado algo obtuso.
Por último, "A 21st Century Cartoonist in King Artur's Court"  é um relato irónico da história batida do viajante no tempo que usa os seus conhecimentos do futuro para se sobrepor aos "primitivos". A mais corrosiva das três histórias (com uma pitada de autocomiseração?) que nos faz questionar sobre o nosso papel na sociedade e a nossa completa ignorância sobre como as coisas funcionam à nossa volta.
Com um desenho cuidado e boas sequências, "The Man Who Loved Breasts" conta com o sentido de humor apurado de Goodin que realça o absurdo dos lugares-comuns que andamos há anos a forçar-nos a acreditar para manter aquele resquício de sanidade. Mas um pouco de loucura não faz mal a ninguém, pois não?

1 de Agosto de 2013

"The Fez will return!"
THE FEZ
Roger Langridge
Hotel Fred Press, 2013
10 págs., P&B

Roger Langridge é um cartunista veterano neozelandês que tem feito um pouco de tudo. No Reino Unido trabalhou nas instituições que são o Judge Dredd e o Doctor Who, nos Estados Unidos anda, actualmente, com o Popeye debaixo do braço e já passou pelo Thor e pelos Muppets, sem falar dos seus projectos pessoais como Snarked! e Fred the Clown. Sempre com um humor simpático, sempre com críticas positivas mas também sempre sem o proveito e, se pensarmos bem, sem a fama.
The Fez é uma bd curta e divertida cujo protagonista é o arquétipo do herói pulp: um vigilante que luta contra o crime com características que o fazem mais do que o comum dos mortais, neste caso, a invisibilidade, o barrete mourisco que lhe dá o nome e um monóculo dignificante que acompanha um sentido sobrenatural de elegância.
Neste primeiro volume das suas aventuras somos apresentados a uma galeria de inimigos singulares, ao dilema que estes enfrentam (particularmente um deles) por terem o Fez como adversário e ao poder intoxicante e transformador da realidade de substâncias que podem tornar o mais virtuoso dos heróis na escumalha da sociedade, por fim, a promessa do regresso do herói para nos ensinar as suas qualidades e aos seus antagonistas a admiração e temor que tanto merece. Portanto, não percam o próximo episódio porque nós também não!

30 de Julho de 2013

"i just can't deal with your drama anymore!"
LOSE #4
Michael DeForge
Koyama Press, 2012
44 págs., P&B

A obra de Michael DeForge é uma de estranho desconforto. As histórias que nos conta têm uma ligação ténue à nossa realidade, com uma lógica e atitudes muito próximas às nossas mas com diferenças bizarras, até grotescas, e completamente naturais. O nosso desconforto é o de quem sabe que há algo de errado nessa naturalidade mas não consegue apontar bem o quê.
Lose é a one-man anthology à laia dos autores independentes americanos dos anos 90 que DeForge começou em 2009. Este quarto número, auto-intitulado "The Fashion Issue", é uma mistura de estilos e formatos que representa bem o que DeForge tem vindo a desenvolver ao longo da sua curta mas muito produtiva carreira. Tangencialmente relacionadas com o tema, temos narrativas que: prestam homenagens distorcidas a outras personagens de bd ("Queen Video"); são sobre doenças que aos poucos substituem o corpo humano por um tecido muito semelhante à indumentária associada ao sadomasoquismo ("Someone I know") ou que fazem que toda a vida animal, humana ou não, tenha a cara de uma adolescente específica ("The Sixties"); exploram os hábitos e costumes da família real canadiana (Canadian Royalty: their lifestyles and fashions) e, finalmente, numa sucessão de tiras curtas falam, talvez, sobre auto-percepção ("Abbey Loafer").
A temática da transformação corporal e da auto-imagem e rebelião contra o que somos parecem atravessar todas as histórias. O que se destaca é precisamente a abordagem escolhida, nunca linear e, repito, algo desconfortável para o leitor. O estilo de desenho varia ao longo do livro e adapta-se a cada história, normalmente simplificado e imediato mas, por vezes, capaz de um pormenor obsessivo que, embora não acrescente muito ao enredo, ajuda à ambientação, contribuindo especialmente o seu excelente uso de contrastes.
DeForge é um nome que tenho ouvido incessantemente estes últimos anos, sempre pela positiva, seja pela crítica mais "séria", por outros autores que admiro ou devido às suas múltiplas nomeações para vários prémios de bd, para além de ser designer numa das minhas séries de animação favoritas - Adventure Time. Ele está à cabeça da nova leva de autores de bd independente norte-americana e parece-me ser uma posição merecida. Contudo, a verdade é que ainda não me convenceu completamente embora, à velocidade que produz material novo e também pela sua idade jovem, tenha mais do que tempo para o fazer.

18 de Julho de 2013

"Git! Or tonight I'll dine on goat stew!"
SABERTOOTH SWORDSMAN
Damon Gentry & Aaron Conley

Dark Horse Comics, 2013
99 págs., P&B

O mercado digital da bd está em crescendo e a Dark Horse não perdeu tempo e já tem a sua própria loja online com conteúdo exclusivo. Sabertooth Swordsman and the Mayhem of the Malevolent Mastodon Mathematician (título completo e nada aliterativo) é uma dessas bds que ainda este ano terá direito a ser publicada em toda a sua glória num formato físico de luxo. 
Trata-se da história típica do falhado tornado herói que enfrenta inúmeros perigos sobrenaturais para poder recuperar a sua amada das garras de um mal superior. Nada de novo, portanto.
Esta é a mais nova versão do herói  felino de turbante e sapatos pontiagudos criado pelo duo Damon Gentry e Aaron Conley que já tinham uma versão preliminar desta história que podem ler aqui. Desta vez, temos mais páginas,  um estilo gráfico mais refinado e a mesma acção trepidante e sentido de humor a tender para o absurdo. 
Apesar da história ser um pouco linear, as tiradas humorísticas e a acção explosiva acabam por nos conquistar e o desenho de Aaron Conley que, admito, não será para todos (especialmente a preto e branco), é pormenorizado e enérgico.
Sabertooth Swordsman é uma bd divertida que não quer fazer pensar e que surpreende ligeiramente pelo seu fim algo trágico mas que acaba por denunciar a esperança de serialização que, não duvido, será bem-sucedida. 
Se estiverem interessados podem encontrar os 6 volumes, no sítio da Dark Horse Digital, pela módica quantia de, aproximadamente, 4,52 euros.

15 de Julho de 2013

"This is how an idea becomes real."
SAGA VOLUME 1
Brian K. Vaughan & Fiona Staples
Image Comics, 2012
160 págs., tetracromia, capa mole

A segunda mais recente bd (em breve falarei de The Private Eye) de Brian K. Vaughan é uma space opera com traços shakespearianos. 
Na periferia da galáxia um planeta e a sua lua estão em guerra, dois soldados das facções opositoras apaixonam-se e têm uma filha, esta nova família vê-se perseguida por razões desconhecidas e esta é a história da sua fuga. Nem todos sobreviverão.
Mais uma aposta da Image Comics no terreno do Fantástico, desta vez não enveredamos pela ficção científica pura, a magia coexiste com a ciência neste universo, com naves espaciais lado a lado com personagens que têm a aparência de que podiam ter saído de um conto de fadas ou de um livro sobre mitologia greco-romana.
O principal atractivo do livro, contudo,  não se prende só no seu aspecto visual, embora o desenho de Fiona Staples, se à partida me parecia um pouco rígido (já dizia o poeta, "primeiro estranha-se, depois entranha-se"), dê imenso à narrativa e, ainda por cima, melhore com o tempo; são as personagens, melhor dizendo, as personalidades criadas por Vaughan que dão o brilho ao livro, especialmente os supostos vilões, e que fazem com que uma história com momentos surpreendentemente estranhos, até bizarros, sejam, também, surpreendentemente credíveis.

15 de Março de 2013

RUGAS
Paco Roca
Bertrand Editora, Março 2013
104 págs., tetracromia
16,60 euros

Em continuidade com as apostas seguras de editoras sem grande tradição na publicação de bd, chegou hoje às lojas, pela mão da Bertrand Editora, a tradução portuguesa de "Arrugas" de Paco Roca. Multipremiada e já com uma adaptação ao cinema de animação, "Rugas" é a história de Emílio, um idoso que se vê internado num lar de idosos após desenvolver a doença de Alzheimer. Para um flashback doloroso, é só clicar na imagem.

11 de Março de 2013

"Being in love is not what I expected."
SKIM
Mariko Tamaki & Jillian Tamaki
Groundwork Books, 2010
144 págs., P&B

Skim é o nome pelo qual Kim Cameron é chamada pelos colegas. Não se trata de um trocadilho inteligente, é simplesmente uma forma adolescente de evidenciar e ridicularizar alguém que não faz parte da norma.
Kim tem 16 anos, excesso de peso e os seus pais estão (rancorosamente) divorciados. Ela e a sua melhor amiga, Lisa, a prototípica adolescente rebelde, pertencem à religião Wicca e são, aos olhos dos outros, "góticas". Quando o namorado de uma das suas colegas comete suicídio, a vida de Kim parece querer enveredar pelos mesmos caminhos do suicida.
A morte de alguém, mesmo que de um desconhecido, ecoa na vida de Kim e inicia um processo de auto-descoberta que lhe permite crescer e questionar o papel dos outros na sua vida. 
O fantasma do suicídio atravessa a narrativa. As suas causas e repercussões são força motriz da história. A reacção à morte e ao amor é tema comum às diversas personagens e a variedade de opções perante uma mesma situação é muito bem explorada. É de pequenos pormenores que as irmãs Tamaki constroem um pequeno universo de relações. Tantos os diálogos certeiros de Mariko como o desenho "solto" de Jillian retratam fidedignamente os diversos aspectos da adolescência: as dúvidas, a indecisão, a pressão de pares e a absoluta (des)confiança do que se é capaz.

10 de Março de 2013

COMICS: PHILOSOPHY & PRACTICE
18 a 20 de Maio de 2012
University of Chicago

O ano passado, a Universidade de Chicago organizou uma conferência de 3 dias sobre banda desenhada. Para isso contou com 17 cartunistas - uma espécie de lista de autores essenciais contemporâneos - que através de uma série de palestras, conversas, painéis e workshops, exploravam a natureza, o passado e o futuro da bd. Claramente académico, o que não agrada a todos, não deixa de ser uma iniciativa que apetece imitar.
Para se ter uma noção dos autores convidados e dos temas discutidos é só seguir o link da imagem e/ou perder algum tempo a ver os vídeos em baixo.





6 de Março de 2013

O décimo círculo.
MALDITOS CARTUNISTAS
Daniel Garcia & Daniel Paiva
Canal Brasil, Documentário, 2012
13 episódios, 12 minutos

"Malditos Cartunistas" é um documentário idealizado por Daniel Garcia e Daniel Paiva que retrata a profissão no Brasil desde o início dos anos 60 até à contemporaneidade, contando com depoimentos de quatro gerações de cartunistas brasileiros que relatam as suas experiências e perspectivas sobre a profissão.
O ano passado, o Canal Brasil optou pelo desdobramento do documentário em 13 episódios com novas entrevistas e imagens que não constavam do original de 2011.
Felizmente para os telespectadores que não puderam ver o documentário na "telinha" e para aqueles que não residem do outro lado do Atlântico, o sítio do Canal Brasil disponibilizou online e (quase) na íntegra  os 13 episódios (é só clicar na imagem). Para os que ainda não estão convencidos deixo o trailer para tirar quaisquer dúvidas.

5 de Março de 2013

CRÓNICAS DE ARQUITECTURA
Pedro Burgos
Turbina/Mundo Fantasma, 2013
28 págs., P&B
7,99 euros

Sábado, dia 9, é inaugurada na galeria da livraria Mundo Fantasma a exposição "Crónicas da Arquitectura" composta por originais de Pedro Burgos que foram publicados no Jornal Arquitectos na sua "Crónica Desenhada". A exposição é acompanhada pelo lançamento do livro homónimo (e giclée!), editado pela Turbina Associação Cultural com chancela da Mundo Fantasma.

4 de Março de 2013

"I Yam What I Yam."
READING THE FUNNIES
Donald Phelps
Fantagraphic Books, 2001
300 págs., capa mole

O início do século XX é uma época marcante da história da banda desenhada. Nesta altura, ainda na sua infância, a exploração e a inovação nesta nova arte eram constantes que rapidamente se cristalizavam em cânones aceites. Obras como Gasoline Alley, Thimble Theater e Dick Tracy - representadas na capa - e outras eram lidas diariamente na imprensa por milhões de pessoas. Estas comic strips -  de onde deriva, malogradamente, a nossa designação de banda desenhada (adaptada do francês) - ocupavam diariamente um espaço privilegiado de divulgação.
Com o tempo muitas foram esquecidas pelo público geral,  mas outras perduraram sob outras formas (por exemplo, Dick Tracy, Popeye e Little Orphan Annie e as suas adaptações à animação e cinema e até musical de Broadway), adaptando-se às novas exigências do público.
O recente redescobrimento destas obras, com o patrocínio de autores de relevo e sustentado por uma nostalgia crescente, trouxe estas obras de volta à ribalta, em formatos mais apetecíveis: edições de luxo de capa dura que comemoram a qualidade e originalidade das obras clássicas.
Donald Phelps é um entusiasta. A sua escrita denuncia-o. A descrição de situações, a escolha de certas palavras que fariam um crítico mais "sério", aquele que supostamente se distancia emocionalmente da obra que analisa, estremecer a proferi-las. O seu olhar académico mas encantado, é minucioso e competente, e a seriedade com que escreve não se discute. Contudo, é esta abordagem académica, com o seu complexo sistema de referências, nem sempre actuais ou contextualizadas, que acaba por tornar a leitura menos fluída, entrecortando o que o crítico pretende realmente evidenciar e, até certo ponto, marginalizar o leitor.
Embora alguns dos autores e personagens abordados sejam universalmente conhecidos, outros não o são e para nos facilitar a vida, o texto é acompanhado por excertos das bds em análise. A escolha dos excertos poderia ter sido mais criteriosa, o texto entra por vezes em descrições poéticas de cenas que, infelizmente, o leitor terá que imaginar.
Apesar destas críticas e outras menores (erros ortográficos, trocas de imagens e formatação de texto), o livro consegue transmitir-nos o entusiasmo de Phelps pelas obras analisadas e cumpre bem um papel de divulgação de obras  que ainda se mantêm interessantes mesmo após quase um século.

16 de Fevereiro de 2013

CARTOON COLLEGE
Josh Melrod & Tara Wray
75 min, Documentário, 2012

Em 2009 uma parceria entre a ESAD (Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos) e a Livraria Mundo Fantasma trouxe a Portugal James Sturm para dirigir um workshop intitulado "Exploring Comics" e para falar na conferência "a Life in Comics". Sturm é um autor de bd conhecido pelo seu trabalho como assistente de produção da revista RAW e as suas bds de ficção histórica (exemplo maior a colectânea James Sturm's America: God, Gold, and Golems). Co-fundou em 2004, com Michelle Ollie, o Center for Cartoon Studies, sediado em White River Junction (Vermont, E.U.A.), uma escola para pessoas que querem fazer banda desenhada. O CCS rapidamente destacou-se pelo seu ambiente de grande exigência, pela quantidade de pessoas com qualidade que de lá saíam e pelo corpo docente constituído por alguns dos autores mais importantes da banda desenhada alternativa americana da actualidade.
O documentário indie Cartoon College acompanha vinte alunos no seu percurso para se tornarem cartunistas e inclui entrevistas com nomes sonantes da bd independente americana (Art Spiegelman, Françoise Mouly, Lynda Barry, Chris Ware, Scott McCloud, entre outros) e com pessoas que têm profissões (críticos, donos de lojas, organizadores de exposições, etc.) que gravitam em torno da indústria dos comics, de forma a explorar o que é necessário para ter sucesso nesse meio.
Os autores do documentário já revelaram que o mesmo estará disponível ao público europeu este ano, agora só resta saber quando e como.

Cartoon College Trailer de Cartoon College Movie no Vimeo.

13 de Fevereiro de 2013

MEN OF TOMORROW 
GEEKS, GANGSTERS AND THE BIRTH OF THE COMIC BOOK
Gerard Jones
Basic Books, 2005
384 págs., capa mole

A banda desenhada americana está pejada de histórias e mitos que inspiram tanto os leitores e como os futuros autores de bd. Um dos mitos mais conhecidos é o de dois jovens judeus que após múltiplas rejeições conseguem finalmente que a sua personagem seja publicada, alcançado um sucesso difícil de igualar até aos nossos dias. Jerry Siegel e Joe Shuster foram esses dois jovens e a personagem é conhecida entre nós pelo nome de Super-Homem.
Gerard Jones explora neste livro este "mito criacionista", desmitificando-o e, ao mesmo tempo, dá-nos a conhecer toda a periferia desse evento, isso inclui uma narrativa contínua desde os primórdios da indústria até à idade moderna, passando por situações vividas por outros grandes nomes da bd mainstream americana como Will Eisner, Stan Lee, Jack Kirby, Jerry Robinson, Bob Kane, Bill Finger, entre outros.
Cada vez mais actual, especialmente após a recente polémica que envolveu a adaptação cinematográfica de The Avengers, sem falar na batalha que ainda continua entre os herdeiros de Siegel e Shuster e a Warner Bros, a discussão sobre os direitos de autores na banda desenhada é outro grande tema deste livro. Mostra o funcionamento de bastidores e como as escolhas editoriais e financeiras podem suplantar a liberdade criativa. Portanto, muito actual.
Se só por si é uma leitura muito interessante, pela sua forma de escrita acessível e pelo elenco de "personagens", é após a leitura do livro que chegamos às notas de cada capítulo que evidenciam o trabalho hercúleo e de longos anos de pesquisa que sustenta todo o livro.
É um livro invejável pela simplicidade com que consegue recriar o ambiente vivido em cada uma das eras abordadas e, também, pela imparcialidade com que retrata cada um dos intervenientes.

10 de Fevereiro de 2013

"I´m sorry, Dave. I´m afraid I can´t do that."
PROFESSEUR CYCLOPE
AA.VV.
Silicomix/ARTE/Reprodukt, 2013
Formato digital, tetracromia

Seguir blogues de autores de bd traz consigo particularidades: uma negativa é o desejo de actualizações constantes que raramente é satisfeito; uma positiva é saber de projectos futuros antecipadamente, o que nos leva de volta à primeira.
O ano passado, Cyril Pedrosa veio ao FIBDA para nos mostrar a sua bd Portugal, uma semi-autobiografia extremamente bonita que um destes dias vai ter direito a post neste blogue. Hervé Tanquerelle é um dos autores que conheço de uma revista de bd publicada por Les Humanoïdes Associés chamada Lucha Libre , onde se explorava, muitas vezes de forma paródica, a temática da luta livre mexicana; a secção de Tanquerelle era protagonizada por uma criança obcecada pelos seus heróis luchadores e que se metia sempre em sarilhos quando os tentava imitar. Eu seguia o blogue de cada um destes autores já há algum tempo quando, casualmente, reparei em algo que tinham em comum: referências múltiplas a algo que tinha o nome de Professeur Cyclope.
Inspirados pela tradição francófona de revistas de banda desenhada mensais com histórias serializadas, uma fórmula de grande sucesso inclusive em Portugal, e cientes das novas tecnologias de divulgação e reprodução digital, o colectivo editorial Silicomix, no qual se incluem os dois autores em epígrafe e acrescem-se Gwen de Bonneval, Brüno e Fabien Vehlmann, tem a ambição de querer ser uma versão electrónica de revistas como a Pilote, Metal Hurlant ou À Suivre, ou seja, uma revista de bd com uma linha editorial forte ao serviço de uma alternativa excitante e coerente. Mas uma alternativa a quê?
Alternativa a uma crise cada vez mais marcada ao nível da venda das publicações em papel à qual a bd também não escapa. O objectivo é explorar as possibilidades narrativas potenciadas por estas novas formas de leitura e, claro, ter acesso a um número maior de pessoas.
O colectivo associou-se à cadeia televisiva franco-germânica ARTE que, para além de disponibilizar  online e gratuitamente uma versão menos sofisticada de cada número da revista, se coordenou com uma editora alemã, a Reprodukt, que trata do lançamento da edição germânica.
No dia 1 de março teremos acesso à versão final do Professeur Cyclope mas entretanto é possível folhear digitalmente uma demonstração do que esperar. Em relação ao conteúdo, o que se pode concluir da versão preliminar é que há uma grande variedade de estilos, géneros e temas, podendo ir da strip de humor com animais (antropomórficos ou não) até uma espécie de híbrido entre bd e animação (banda animada?) sobre duas colegiais às compras. Há de tudo para todos e pretende alcançar, li algures, um público ado-adulte (os franceses adoram abreviar tudo).
Uma coisa diferente para um público diferente a crescer em número. A ver o que sai desta experiência.
Por fim, deixo-vos com o vídeo promocional da revista, onde de forma humorística se dá conta de como será a interacção com o produto final. 


La question essentielle du Professeur Cyclope de Tangui Jossic no Vimeo.

8 de Fevereiro de 2013

"O silêncio é a pior parte do baile."
O BAILE
Nuno Duarte & Joana Afonso
Kingpin Books, 2012
46 págs., tetracromia


Vou tentar antecipar-me ao que aí vem e anunciar que O Baile é um dos grandes nomeados para os Prémios Nacionais de Banda Desenhada 2013.
O inspector Rui Brás, da PIDE, é incumbido de investigar acontecimentos estranhos na aldeia piscatória de Maré Santa. É necessário acabar com "histórias de gaiatos" que possam perturbar a visita iminente do Papa Paulo VI a Portugal.
À primeira vista trata-se da típica história de zombies que presta descaradamente homenagem aos filmes de terror americanos dos anos 70. Para além de explorar os clichés típicos dos filmes do género, o ponto forte desta bd é sem dúvida a caracterização das personagens, o diálogo plausível, com cada um a soar de forma diferente, e a descrição do ambiente vivido na altura da história.
Esta não é a primeira bd de Nuno Duarte publicada pela Kingpin Books, os dois volumes  d'A Fórmula da Felicidade são sobejamente conhecidos e foram também (novamente com o futurismo) nomeados para os PNBD, mas é a primeira vez que colabora com Joana Afonso. O desenho de Joana Afonso, que em 2011 foi primeiro prémio dos concursos de bd do FIBDA, é mais que competente, tem um estilo próprio e para além da sua capacidade de storytelling (que era já notória na bd  com que venceu o concurso), premeia-nos ainda com cores que ajudam ao ambiente lúgubre da história.
Honestamente, a minha primeira leitura do livro não foi a mais satisfatória, se calhar por ter sido apressada ou por estar à espera de outra coisa, falou-se de PIDE na antecipação do livro e esperava algo mais "adulto" (mas não necessariamente melhor). Contudo, uma segunda leitura trouxe consigo um entendimento diferente. Se inicialmente achava que o ritmo da história e que a "revelação do culpado" podiam ter sido melhores, agora, sem grandes razões a favor, digeri melhor a história.
Embora O Baile seja, maioritariamente, uma "bd-entretenimento", há momentos muito bons que lhe dão uma maior profundidade e estes devem-se principalmente à preocupação por criar personagens tridimensionais que se preocupam com o seu passado e futuro.
Agora é só ver se tenho razão em relação às nomeações...

6 de Fevereiro de 2013

MORRO DA FAVELA
André Diniz
Edições Polvo, 2013
128 págs., P&B
15,90 euros (sem IVA)

A partir desta semana está disponível nas livrarias a bd Morro da Favela. Escrita e desenhada por André Diniz,  retrata as memórias do fotógrafo autodidacta Maurício Hora, nascido e criado na primeira favela brasileira - o Morro da Providência.
A edição portuguesa está a cargo das Edições Polvo, inclui o texto original revisto e ainda outras perspectivas sobre o Morro da Favela por diversos autores brasileiros de histórias em quadrinhos.

  

4 de Fevereiro de 2013

"Yo, que detesto las simetrias, seria feliz viviendo aquí."
BUÑUEL EN EL LABERINTO DE LAS TORTUGAS
Fermín Solís
Astiberri Ediciones, 2009
125 págs., P&B

Luís Buñuel é um dos mais conhecidos surrealistas e cineastas do século XX e, como outros da sua geração, a sua figura está envolvida numa mística difícil de ultrapassar.
Em 1932, desencantado com o movimento surrealista e frustrado por ser constantemente mal interpretado, decide fazer um documentário sobre as condições de vida em Las Hurdes, uma região da Estremadura Espanhola.
Esta bd de Fermín Solís acompanha o percurso de Buñuel do planeamento à concretização do documentário. Solís aproveita este momento relativamente curto da vida de Buñuel para explorar as suas motivações e inspirações e, através do recurso a sonhos e alucinações, permite-nos também ter uma noção da sua biografia restante.
O enredo é algo linear, seguimos Buñuel e a sua equipa na rodagem do documentário e, como eles, somos confrontados com a extrema pobreza dos hurdanos, mas, ao contrário do leitor, Buñuel, filho de famílias ricas e de reputação boémia, revela uma compreensão perfeita da situação. Esta discrepância entre atitudes dificulta simpatizar com a personagem principal, até que ponto esta compreensão não é ilusão dele? Mais, é com este mesmo à-vontade e naturalidade que enfrenta, nos sonhos e alucinações já referidos, arquétipos poderosos que fariam estremecer o comum dos mortais. Portanto, se calhar não é uma personagem com quem seja possível simpatizar, no significado etimológico da palavra.
O desenho de Solís é competente e faz lembrar o traço de Christophe Blain mas fica a perder com esta comparação. A opção pelo preto e branco pode querer espelhar a película de Buñuel mas, fica a sugestão, se se tivesse escolhido o uso de cores (em Paris) intercalado com o preto e branco (nas Hurdes) ajudaria a criar maior contraste visual e temático.
Resumindo, Buñuel en el laberinto de las tortugas aproveita um momento específico na vida de Buñuel para interpretá-lo como personagem na sua própria vida. É uma leitura rápida que, sinceramente, não teve muito impacto em mim como leitor. Contudo, atiça a curiosidade em relação à figura de Buñuel e à sua obra e, neste sentido, é muito eficaz.
Já agora, o título do livro refere-se às ruas que muitas vezes não davam a lado nenhum, como um labirinto, e às casas da aldeia retratada no documentário, cujos telhados faziam lembrar carapaças de tartarugas.


1 de Janeiro de 2013

"We've been waiting for you, Kizaki-san."
THE PUSH MAN AND OTHER STORIES
Yoshihiro Tatsumi
Drawn and Quarterly, 2012
208 págs., P&B

Para se afastar do Manga (imagens irresponsáveis) e dos seus temas, o termo Gekida (imagens dramáticas) foi criado para designar uma bd mais adulta e "alternativa". Um dos autores a quem foi atribuída a invenção da palavra é Yoshihiro Tatsumi que começa a publicar o que chama de gekida já em 1957.
Resultado da iniciativa de Adrian Tomine e da Drawn and Quarterly, The Push Man and other stories trata-se da primeira tradução oficial da obra de Tatsumi para inglês e é uma antologia de 16 bds curtas feitas em 1969 (o propósito é cada volume representar o melhor que Tatsumi fez em determinado ano, portanto, o segundo teria histórias de 1970, o seguinte de 1971 e por aí adiante...).
As histórias escolhidas partilham uma atmosfera opressiva e tensa que culmina numa explosão emocional que, embora esperada, surpreende sempre.  O Japão representado no livro está longe da sociedade ultramoderna e tecnocêntrica que actualmente associamos aos nipónicos risonhos, aluados e de câmara fotográfica na mão. Em 1969 ainda pairava o fantasma do pós-guerra (a II Guerra Mundial deixou grandes mazelas na psyche japonesa): prédios degradados; as roupas ocidentais que  coexistiam com os trajes tradicionais que resultam de uma espécie de esquizofrenia cultural; personagens desempregadas ou com profissões de baixa qualificação. O que nos leva a outra coisa comum a todas as narrativas: o protagonista. Embora se tratem de indivíduos diferentes, a desempenhar papéis e profissões diversas, podemos falar de um protagonista único. Homem, introvertido, dado a impulsos, vive uma relação com uma mulher que o domina de uma forma ou outra. O desenho de Tatsumi ajuda também a esta personagem masculina genérica, claro que há excepções mas, a representação física dos protagonistas é tão próxima que as histórias misturam-se na cabeça do leitor. São narrativas que normalmente retratam um relacionamento onde há um desequilíbrio de forças na dinâmica do casal que acaba por se resolver, regra geral, de forma violenta. Como remate, uma moral que salienta a tragicidade da resolução. Esta relação é sempre disfuncional e, por vezes, a disfunção estende-se à interacção social e temos o protagonista a adoptar um papel de pária.
É uma leitura desconcertante, nem mesmo o distanciamento temporal, físico e cultural permite ao leitor não se deixar afectar; a estranheza encontra-se no que é e como é contado, longe do quotidiano "normalzinho" de uma sociedade ocidental moderna.
Tatsumi ainda ressalva numa entrevista no final do livro que o leitor não deve interpretar estas histórias como representativas da personalidade do autor e que para compreender a sua obra é preciso ler mais.